Além de servirem para você andar no jet ski do seu primo rico ou para você pescar com o seu pai, para que mais servem os lagos? Os lagos estão presentes na história e no cotidiano de povos de todo o planeta. Eles fornecem alimentos, água, recreação e até inspiração religiosa ao ser humano. Eles também são fundamentais para a vida de um sem número de espécies de plantas, animais e até de seres que a gente nem vê – organismos microscópicos como algas e bactérias. Contudo, existe um aspecto sobre os lagos que pouca gente conhece e que iremos apresentar aqui por meio de um exercício mental. Os lagos são muito importantes para o balanço global de carbono, uma vez que eles podem lançar grandes quantidades de dióxido de carbono para a atmosfera e influenciar no clima do Planeta, como já discutimos no post anterior (“Rios e lagos e o efeito estufa: importantes fontes de gás carbônico para a atmosfera”). Agora, vamos imaginar se todos os rios fluíssem direto para o mar, sem nenhum lago no caminho, o que mudaria no fluxo de matéria orgânica no planeta! Aceitam o exercício? Para simplificar a discussão, nós vamos tratar como “lago” qualquer acumulo d’água no continente, incluindo lagoas, represas, lagunas, etc.
Alguns cientistas mostraram recentemente que, apesar de sua área superficial reduzida globalmente, os lagos podem emitir quase tanto gás carbônico quanto o que é sequestrado pelos oceanos (ver referências ao final). Isso é bastante surpreendente e revela um papel ignorado até pouco tempo atrás: o dos lagos como biorreatores capazes de processar grandes quantidades de matéria orgânica. Esses ambientes têm se mostrado tipicamente supersaturados, com concentrações de gás carbônico (CO2) maiores do que a atmosfera. A produção desse gás carbônico vem da fotodegradação (degradação de moléculas orgânicas na água pela ação da radiação solar) de compostos orgânicos e da respiração dos seres vivos presentes no lago, com participação importante dos microrganismos responsáveis pela decomposição da matéria orgânica (oxidação biológica da matéria orgânica pela qual o produto final é geralmente o CO2). Tal matéria orgânica pode ter sido formada no próprio lago, pela fixação de gás carbônico pelas algas e macrófitas (plantas aquáticas), mas uma parcela significativa dela tem origem terrestre, chegando aos lagos por meio dos rios ou por percolação após passarem por um processo de decomposição nos solos e nos próprios rios.
Parte da matéria orgânica que é acumulada nos lagos, proveniente da bacia hidrográfica, é considerada refratária, isto é, de difícil decomposição. Ela encontra nos lagos condições necessárias para a finalização do processo de decomposição. Isso acontece principalmente porque, diferentes dos rios, os lagos retêm a água por um período mais longo. É válido especular, portanto, que sem os lagos, essa matéria talvez não tivesse tempo suficiente para processamento e acabaria sendo transportada ao oceano, onde poderia ser parcialmente processada, aumentando a atividade metabólica nesse ecossistema, e, em sua maior parte, estocada no leito do oceano – como acontece com grande parte da matéria que entra nesse ambiente. O processamento que deixou de acontecer nos lagos e que não se completou no oceano, resultaria numa menor emissão de carbono para a atmosfera, que consequentemente teria uma menor quantidade desse elemento.
A alteração no ciclo global do carbono poderia gerar mudanças na temperatura do planeta e até na taxa de produção primária, embora seja difícil prever com exatidão essas mudanças. O fato é que nós abordamos um aspecto bem pontual do papel dos lagos, que tem sido pouco discutido. Mas, se levarmos em conta outros aspectos relevantes, como a contribuição dos lagos para o volume de água evaporada ou para a manutenção da biodiversidade, é inevitável a conclusão de que teríamos um planeta totalmente diferente. É claro que você não precisa se preocupar com um repentino desaparecimento dos lagos. Eles continuarão existindo e desempenhando seus papéis, inclusive seu relevante papel no ciclo do carbono, que é um processo natural, diferentemente, por exemplo, da emissão de carbono pela queima de combustíveis fósseis. Esta última é resultado das nossas atividades e seu controle está em nossas mãos. Como você deve saber, isso está afetando o clima do planeta. Ou será que não é bem assim? Há um post recente neste blog sobre esse tema polêmico. Leia aqui.
Nota: Esse é o último artigo da série produzida pelos alunos do curso de Limnologia (2014-2) do Programa de Pós-Gradação em Ecologia da UFRN.
Autores:
Pedro Junger (Mestrando; PPG Ecologia – UFRJ)
Barbara Precila Bezerra (Mestranda; PPG Ecologia – UFRN)
Dhalton Ventura (Doutorando; PPG Ecologia – UFRN – Especialista em Recursos Hídricos; Agência Nacional de Águas)
Colaborações:
Rafael de Carvalho (Mestrando; PPG Ecologia e Evolução – UFS)
Luana Rezende (Mestranda; PPG Ecologia e Evolução – UFS
Arthur Cruz (Mestrando; PPG Ecologia e Evolução – UFS)
André M. Amado (UFRN/PPG Ecologia – DOL)
Supervisão:
André M. Amado (UFRN/PPG Ecologia – DOL)
Referências:
Cole, J. J., Prairie, Y. T., Caraco, N. F., McDowell, W. H., Tranvik, L. J., Striegl, R. G., Duarte, C. M., Kortelainen, P., Downing, J. A., Middelburg, J. J. & Melack, J. 2007. Plumbing the Global Carbon Cycle: Integrating Inland Waters into the Terrestrial Carbon Budget. Ecosystems, 8: 862–870.
Marotta, H., Duarte, C. M., Sobek, S. & Enrich-Prast, A. 2009a. Large CO2 disequilibria in tropical lakes. Global Biogeochemistry Cycles, 23: GB4022.
Tranvik, L. J., Downing, J. A., Cotner, J. B., Loiselle, S. A., Striegl, R. G., Ballatore, T. J., Dillon, P., Finlay, K., Fortino, K., Knoll, L. B., Kortelainen, P. L., Kutser, T., Larsen, S., Laurion, I., Leech, D. M., McCallister, S. L., McKnight, D. M., Melack, J. M., Overholt, E., Porter, J. A., Prairie, Y., Renwick, W. H., Roland, F., Sherman, B. S., Schindler, D. W., Sobek, S., Tremblay, A., Vanni, M. J., Verschoor, A. M. Von Wachenfeldt, E. & Weyhenmeyer, G. A. 2009. Lakes and reservoirs as regulators of carbon cycling and climate. Limnology and Oceanography, 54(6): 2298–2314.
Tags: ciclo do carbono, Ecologia, Efeito Estufa, Fotodegradação, lagos
13 de janeiro de 2015 às 1:31 |
Deixo aqui meus parabéns aos autores desse post, pela boa idéia e pelo exercício mental pouco convencional que foi proposto. Esse post é o último produzido pelo curso de Limnologia (2014-2) da Pós-Graduação em Ecologia da UFRN. Agradeço aos alunos por terem abraçado a idéia de contribuir com suas visões sobre o ciclo do carbono para este blog.
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14 de janeiro de 2015 às 0:44 |
A disciplina de Limnologia (2014-2) foi muito produtiva, em especial, pela elaboração dos textos para o blog. Parabéns André pela inovação na metodologia de avaliação da disciplina, e obrigada pela oportunidade de aprender um pouco sobre divulgação cientifica.
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15 de janeiro de 2015 às 0:49 |
Que bom que gostou da experiência. Eu também gostei e vou repetir! Obrigado vcs pela colaboração!
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15 de janeiro de 2015 às 13:14 |
Discussão bacana sobre a importância dos lagos, agora além de admirar sua beleza, admirarei seu papel funcional! Parabéns aos autores, parabéns pela iniciativa da divulgação do conhecimento para a sociedade em geral!
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15 de janeiro de 2015 às 18:39 |
Oi Ladjane, fico contente que o trabalho dos alunos tenha atraído atenção e divulgado informações relevantes. Esse é o objetivo! Apareça por aqui sempre que puder. Teremos textos novos ao menos uma vez por mês.
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25 de maio de 2015 às 17:24 |
[…] realizado em 2014. O primeiro texto apresenta conceitos básicos sobre o ciclo do carbono e o segundo faz uma brincadeira de reflexão sobre as funções de lagos e rios para o carbono do Planeta. […]
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