O que faz uma defesa de tese ser chata ou instigante? Reflexões.

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O processo de formação de mestres e doutores no Brasil culmina com a defesa do trabalho de pesquisa, chamado de dissertação quando é referente ao mestrado e de tese quando doutorado. Trata-se de um processo simples: o candidato apresenta publicamente seu trabalho sob a forma de uma palestra e, em seguida, uma banca, composta por pesquisadores da área que já tinham lido previamente o trabalho escrito, vai arguir o aspirante ao título. Essa arguição é, literalmente, a “defesa”, ou seja, o ainda aluno defende seus pontos de vista sobre o assunto estudado em resposta aos questionamentos feitos pelos membros da banca. Ao final do debate, a banca decide pela aprovação ou não do trabalho e pelo merecimento do título de mestre ou doutor.

Pelas dezenas de defesas de que já participei ou assisti, pude notar que a fase de arguição pode ser extremamente desinteressante e cansativa, resultando em comentários como: “Só passaram 5 minutos?” ou “Acho que vou tirar a cerveja do congelador porque isso vai demorar”. Pode também ser empolgante e muito produtiva, fazendo a plateia ter vontade de opinar ou perguntar também. Neste último caso, nem banca, nem aluno ou plateia reparam que já se passaram algumas horas desde o início. Quem nunca presenciou uma banca em que o arguidor cita páginas e linhas inúmeras vezes, perguntando se a vírgula está fazendo papel de aposto, ou se é apenas para quebrar uma longa frase (mesmo que seja um trabalho na área de Ecologia e não de Letras)? Ou um orientador que responde pelo aluno? Um aluno que entende errado e responde algo diferente, ou só concorda?

Algumas hipóteses para explicar uma banca chata podem ser levantadas: (a) a banca não entende do assunto; (b) o trabalho está mal escrito e a banca não consegue entender exatamente a mensagem; (C) o aluno não aprendeu a pensar mas apenas a reproduzir conceitos (problema gravíssimo para quem almeja ser cientista); (d) o orientador apenas precisa colocar no currículo Lattes que formou mestres ou doutores, mas foi ele quem fez tudo; dentre outras inúmeras explicações.

Uma defesa chata.
Uma defesa chata.

Agora, o que faz uma fase de arguição ser interessante, inclusive para o púbico? A negação das hipóteses acima não é, ao menos diretamente, a resposta da pergunta. Entretanto, uma combinação entre elas pode gerar o cenário ideal para boas discussões. A banca conhecer intimamente o assunto e as ferramentas utilizadas para desvendar a questão é essencial e isso é inquestionável. Por certo que um bom conhecedor do método científico, sem necessariamente ser da área, pode fazer excelentes contribuições, mas não substitui o especialista. A escrita objetiva e bem feita é um importante facilitador para a banca. A mensagem correta do trabalho pode ser avaliada, discutida, contestada ou confirmada. O aluno bem preparado conceitualmente e que efetivamente atuou em todas as fases da aquisição, análise de dados e discussão dos resultados (sendo profundo conhecedor destes) permite que haja diálogo, tornando os trabalhos mais dinâmicos e conclusivos. Mesmo com um aluno não tão maduro conceitualmente, mas com leitura, boa dose de boa vontade e humildade, as discussões podem ocorrer com fluidez e aprendizado.

A escolha de uma banca adequada é o início para uma boa discussão. Dedicação, leitura e conhecimento dos dados (leia-se um aluno que realmente conduziu todas as etapas da sua tese) pelo aluno também é a cereja do bolo. Desta forma, muita leitura dos alunos, sinceridade e cordialidade por parte da banca, pode deixar este momento altamente gratificante aos seus participantes.

Por fim, a defesa não é simplesmente mais uma etapa a ser cumprida, mas sim, a ferramenta para o programa de pós-graduação e a universidade aferirem sua qualidade e demonstrá-la para a comunidade científica. Portanto, é um evento crucial para o aluno que comprova sua nova habilidade, para o orientador e banca que concluem um trabalho de formação científica e profissional, mas também para o programa de pós-graduação, que lança ao mercado de trabalho um profissional com a sua “chancela” e diz ao público: “é esse o profissional que estamos formando”.


André M. Amado (Depto. Oceanografia e Limnologia; PPG Ecologia – UFRN)
Ilustração: Anízio Souza Andrade (UFRN – Graduando em Ecologia)
Colaborações: Luiz Bento (CECIERJ); Bruna Q. Vargas (Cultura Inglesa, Natal-RN); Ronaldo Angelini (UFRN)

Revisão de Língua Portuguesa: Bruna Q. Vargas (Cultura Inglesa, Natal-RN)


Links Interessantes:
http://pesquisatec.com/new-blog/2013/9/2/o-que-no-fazer-em-sua-defesa-de-dissertao-ou-tese
http://www.posgraduacao.ufrn.br/pge
http://scienceblogs.com.br/rnam/2009/11/defesas_de_tese_a_linha/
http://sitiodacris.blogspot.com.br/2014/02/tese-me-despedindo-ate-defesa.html

Link Curioso:
http://posgraduando.com/blog/humor/como-apimentar-sua-defesa-de-dissertacao-ou-tese

3 Respostas to “O que faz uma defesa de tese ser chata ou instigante? Reflexões.”

  1. Luiz Bento Says:

    Bem-vindo a blogosfera científica! 🙂

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  2. A escrita e a ciência. | Laboratório de Limnologia Says:

    […] Universidade Federal do Rio Grande do Norte « O que faz uma defesa de tese ser chata ou instigante? Reflexões. […]

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